Há exatos 30 dias eu embarcava sozinha para Toronto, no Canadá. Para alguns eu disse que fui realizar um sonho antigo, para outros, que fui estudar inglês e para outros eu brinquei dizendo que tirei férias conjugais e dos filhos. Tudo isso é verdade, mas o maior motivo de todos é que eu estava exausta.
Não sou do tipo explosiva (ou não era, antes de ter filhos). Minha madrinha, que morava no interior de São Paulo, sempre me dizia: ah, Aline, você é muito pacienciosa! E eu era mesmo. Mas a paciência humana tem limites e depois de algum tempo numa rotina insana, eu percebi que ia pifar. Senti-me como uma panela de pressão soltando ar quente pela válvula.
Fiz as malas e fui. Durante 30 dias viajei para dentro de mim e para perto de Deus. E há 30 dias, estou de volta à rotina, tentando equilibrar todos os pratinhos no ar.
Me comprometi com tantas coisas na vida, menos com o descanso. Mas agora estou disposta a subi-lo na minha lista de prioridades, porque afinal, se quero seguir a Jesus, devo segui-lo em tudo, inclusive nisso.
Jesus se retirava de tempos em tempos para ficar a sós, com ele mesmo e com o Pai. Ele se retirava para o monte, para os desertos, de noite ou de manhã muito cedo, e orava.
Pode ser que algumas pessoas (talvez os próprios discípulos) julgassem esse ato como egoísta, afinal, havia tanta coisa a fazer, tantas pessoas necessitadas!
O que poderia parecer um ato em benefício próprio, era também um ato em benefício do próximo.
Foi o que eu disse à minha filha, antes de viajar: "Estou indo porque preciso, mas também para que eu seja a mãe que vocês precisam." O que se doa precisa se reabastecer, e é isso o que Jesus fazia, a sós com o Pai.
Elton Trueblood, um notável autor e teólogo americano do século 20, sugeriu que cada um de nós tenha uma "experiência pessoal de solidão pelo menos uma vez por mês". É preciso que estejamos "livres da compulsão do bate-papo, da escravidão do telefone e até mesmo do jornal". Fique à vontade para atualizar ou personalizar essa lista, mas a sugestão do autor é que esse retiro seja periódico.
Conheço uma mãe que colocou no calendário uma pausa das redes sociais. A cada 6 semanas, ela fica uma, ausente das redes e aproveita esse tempo para sair do automático e focar em outras coisas.
Madre Teresa de Calcutá desenvolveu um ritmo de retiro para sua comunidade, veja:
“As Irmãs passarão um dia em cada semana, uma semana em cada mês, um mês em cada ano, um ano em cada seis anos na casa-mãe, onde na contemplação e penitência junto com a solidão ela pode reunir a força espiritual, que ela poderia ter usado a serviço dos pobres. Quando estas Irmãs estiverem em casa, as outras assumirão o seu lugar no campo missionário”. (Livro Venha ser minha luz, 2007, p. 345.)
Enquanto estive fora, meu marido e meus pais assumiram algumas das minhas funções. Eles serviram em meu lugar, enquanto eu estava sendo servida e cuidada, na casa de uma família filipina em solo canadense.
E agora, de volta à minha casa, preciso encontrar um ritmo para o meu descanso. Deus há de me ajudar!
Meu Deus se tornou homem e viveu entre os homens aqui na terra. Quem sou eu, então, humana, para querer ser Deus? Infalível, inesgotável, onipresente… não sou.
Abre meus olhos, Senhor, para que eu abra espaço na minha rotina para estar a sós contigo. E peço-te um milagre: que meus filhos não interrompam minha primeira oração da manhã aos gritos apenas para que eu resolva uma disputa de brinquedos. Amém.
Aline Cândido
🦥 Descanso tem sido um assunto mais frequente entre os cristãos atuais (ainda que eu ache que somos melhores na teoria do que na prática). Há uma newsletter que gosto bastante, chamada Unhurried living (Vida sem pressa) que fala sobre descanso, especialmente para líderes. Foi de lá que tirei as citações de Madre Teresa e de Elton Trueblood.
📕 Estou lendo Charlie and Frog - a mistery, um livro que achei por acaso enquanto procurava por uma história infanto-juvenil para treinar meu inglês. Para minha surpresa, a história de mistério tem como protagonista uma menina surda (Frog) que se comunica em linguagem de sinais com seu novo amigo e parceiro-detetive, Charlie. Ao longo dos capítulos vamos aprendendo os sinais para determinadas palavras relacionadas à história. Uma forma leve e acertada de inclusão. Alguém conhece um livro assim em português?